Graciliano Ramos

Hoje, no "Cantinho da Literatura", vamos lembrar esse homem que foi um romancista, cronista, contista, jornalista, político e memorialista brasileiro do século XX, mais conhecido por seu livro, Vidas Secas (1938). É uma honra homenagear esse escritor brasileiro nesse humilde espaço, levando até vocês uma pequena amostra que retrata cada um deles.

"Começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas com a Delegacia de Ordem Política e Social, mas nos estreitos limites a que nos coagem a gramática e a lei, ainda nos podemos mexer".
Uma breve Biografia:
Graciliano Ramos nasceu em Quebrangulo - Alagoas, em 27 de outubro de 1892. Primeiro de dezesseis irmãos de uma família de classe média do sertão nordestino, ele viveu os primeiros anos em diversas cidades do Nordeste brasileiro, como Buíque (PE), Viçosa e Maceió (AL). Terminando o segundo grau em Maceió, seguiu para o Rio de Janeiro, onde passou um tempo trabalhando como jornalista.
Em setembro de 1915, motivado pela morte dos irmãos Otacília, Leonor e Clodoaldo e do sobrinho Heleno, vitimados pela epidemia de peste bubônica, volta para o Nordeste, fixando-se junto ao pai, que era comerciante em Palmeira dos Índios, Alagoas. Neste mesmo ano casou-se com Maria Augusta de Barros, que morreu em 1920, deixando-lhe quatro filhos.
Foi eleito prefeito de Palmeira dos Índios em 1927, tomando posse no ano seguinte. Ficou no cargo por dois anos, renunciando a 10 de abril de 1930. Segundo uma das auto-descrições, "(...) Quando prefeito de uma cidade do interior, soltava os presos para construírem estradas. "Os relatórios da prefeitura que escreveu nesse período chamaram a atenção de Augusto Frederico Schmidt, editor carioca que o animou a publicar Caetés (1933).
Entre 1930 e 1936 viveu em Maceió, trabalhando como diretor da Imprensa Oficial, professor e diretor da Instrução Pública do estado. Em 1934 havia publicado São Bernardo, e quando se preparava para publicar o próximo livro, foi preso em decorrência do pânico insuflado por Getúlio Vargas após a Intentona Comunista de 1935. Com ajuda de amigos, entre os quais José Lins do Rego, consegue publicar Angústia (1936), considerada por muitos críticos como sua melhor obra.
Em 1938 publicou Vidas Secas. Em seguida estabeleceu-se no Rio de Janeiro, como inspetor federal de ensino.
Em 1945 ingressou no antigo Partido Comunista do Brasil - PCB (que nos anos sessenta dividiu-se em Partido Comunista Brasileiro - PCB - e Partido Comunista do Brasil - (PCdoB), de orientação soviética e sob o comando de Luís Carlos Prestes; nos anos seguintes, realizaria algumas viagens a países europeus com a segunda esposa, Heloísa Medeiros Ramos, retratadas no livro Viagem (1954). Ainda em 1945, publicou Infância, relato autobiográfico.
Adoeceu gravemente em 1952. No começo de 1953 foi internado, mas acabou falecendo em 20 de março de 1953, aos 60 anos, vítima de câncer do pulmão.
(Cartas de amor a Heloísa)
Dizes que brevemente
serás a metade de minha alma.
A metade?
Brevemente?
Não: já agora és,
não a metade, mas toda.
Dou-te a minha alma inteira,
deixe-me apenas uma pequena parte
para que eu possa existir por algum tempo
e adorar-te.
Graciliano Ramos
Lá estão novamente gritando os meus desejos. Calam-se acovardados, tornam-se inofensivos, transforma-se, correm para a vila recomposta. Um arrepio atravessa-me a espinha, inteiriça-me os dedos sobre o papel. Naturalmente são os desejos que fazem isto, mas atribuo a coisa à chuva que bate no telhado e à recordação daquela peneira ranzinza que descia do céu dia e dias.
Graciliano Ramos
"Necessitando pensar, pensei que é esquisito este costume de viverem os machos apartados das fêmeas. Quando se entendem, quase sempre são levados por motivos que se referem ao sexo. Vem daí talvez a malícia excessiva que há em torno de coisas feitas inocentemente. Dirijo-me a uma senhora, e ela se encolhe e se arrepia toda.
Se não se encolhe nem se arrepia, um sujeito que está de fora jura que há safadeza no caso."
Graciliano Ramos
"Queria endurecer o coração, eliminar o passado, fazer com ele o que faço quando emendo um período--riscar, engrossar os riscos e transformá-los em borrões, suprimir todas as letras, não deixar vestígio de ideias obliteradas."
Graciliano Ramos
"Comovo-me em excesso, por natureza e por ofício.
Acho medonho alguém viver sem paixões."
"Mas é bom um cidadão pensar que tem influência no governo, embora não tenha nenhuma. Lá na fazenda o trabalhador mais desgraçado está convencido de que, se deixar a peroba, o serviço emperra. Eu cultivo a ilusão."
"É o processo que adoto: extraio dos acontecimentos algumas parcelas; o resto é bagaço."
"Mas no tempo não havia horas"
"Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício."
"Quando se quer bem a uma pessoa a presença dela conforta. Só a presença, é necessário mais nada. "
Graciliano Ramos

ALGUNS TRECHOS E FRASES DE "VIDAS SECAS"
O livro
Graciliano Ramos escreveu Vidas Secas entre 1937 e 1938, ano da publicação do romance. O livro narra a história de uma família de retirantes do sertão brasileiro e aborda seus problemas, como a seca, a pobreza e a fome.
Autoridade
O patrão atual, por exemplo, berrava sem precisão. Quase nunca vinha à fazenda, só botava os pés nela para achar tudo ruim. O gado aumentava, o serviço ia bem, mas o proprietário descompunha o vaqueiro. Natural. Descompunha porque podia descompor, e Fabiano ouvia as descomposturas com o chapéu de couro debaixo do braço, desculpava-se e prometia emendar-se.
Mentalmente jurava não emendar nada, porque estava tudo em ordem, e o amo só queria mostrar autoridade, gritar que era dono.
Vaqueiro
O corpo do vaqueiro derreava-se, as pernas faziam dois arcos, os braços moviam-se desengonçados.
Parecia um macaco... Montado confundia-se com o cavalo, grudava-se a ele.
Movimento
O dia todo espiava o movimento das pessoas, tentando adivinhar coisas incompreensíveis.
Arreda!
Acocorada junto às pedras que serviam de trempe, a saia de ramagens entalada entre as coxas, sinha Vitória soprava o fogo. Uma nuvem de cinza voou dos tições e cobriu-lhe a cara, a fumaça inundou-lhe os olhos, o rosário de contas brancas e azuis desprendeu-se do cabeção e bateu na panela.
Sinha Vitória limpou as lágrimas com as costas das mãos, encarquilhou as pálpebras, meteu o rosário no seio e continuou a soprar com vontade, enchendo muito as bochechas...
Raízes
Aparecera como um bicho, entocara-se como um bicho, mas criara raízes, estava plantado.
Ratos
Ele, a mulher e os filhos tinham se habituado à camarinha escura, pareciam ratos.
Sangue
Sinhá Vitória beijava o focinho de Baleia, e como o focinho estava ensanguentado, lambia o sangue e tirava proveito do beijo.
Palavras
Admirava as palavras compridas e difíceis da gente da cidade, tentava reproduzir algumas, em vão, mas sabia que elas eram inúteis e talvez perigosas.
Espinhos
Tinham deixado os caminhos cheios de espinho e seixos, fazia horas que pisavam a margem do rio, a lama seca e rachada que escaldava os pés.
Baleia
Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás.
Moído
Passou as mãos nas costas e no peito, sentiu-se moído, os olhos azulados brilharam como olhos de gato.
Saber
Eles estavam perguntadores, insuportáveis. Fabiano dava-se bem com a ignorância. Tinha o direito de saber? Tinha? Não tinha.
Escola
Nunca vira uma escola. Por isso não conseguia defender-se, botar as coisas nos seus lugares.
Autoridade
Levantou-se e caminhou atrás do amarelo, que era autoridade e mandava. Fabiano sempre havia obedecido. Tinha muque e sustância, mas pensava pouco, desejava pouco e obedecia.
Secas
Um dia... Sim, quando as secas desaparecessem e tudo andasse direito... Seria que as secas iriam desaparecer e tudo andaria certo? Não sabia.
Campina
Estirou os olhos pela campina, achou-se isolado. Sozinho num mundo coberto de penas, de aves que iam comê-lo.
Invisível
...chorou, mas estava invisível, e ninguém percebeu o choro.
Morrer
Virou o rosto para fugir à curiosidade dos filhos, benzeu-se. Não queria morrer.
Cigarro de palha
Chegara naquela situação medonha - e ali estava, forte, até gordo, fumando seu cigarro de palha.
Mundo
Vidas Secas já foi lançado na Polônia, Argentina, República Tcheca, Rússia, Itália, Portugal, França, Espanha, Estados Unidos e outros.
Nome
O romance originalmente se chamaria O Mundo Coberto de Penas, mesmo nome do penúltimo capítulo, mas o próprio Graciliano Ramos riscou o título original e escreveu Vidas Secas.
Prêmio
Em 1962, o livro ganhou o Prêmio da Fundação William Faulkner, nos Estados Unidos, que premia os melhores trabalhos de ficção da América.



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